quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Orador carismático, governante centralizador


Orador carismático, governante centralizador






Murilo Garavello

Em São Paulo



O homem que ficou mais tempo no comando de um país da América nos últimos 100 anos. Ícone da esquerda mundial que ajudou a definir -por personificar- um ideário de revolução armada que inspirou jovens de todo o mundo por décadas. Para uns, sobressai a imagem do "comandante" carismático que restaurou a soberania de Cuba e ajudou a melhorar as condições de vida do povo. Para outros, um exemplo de ditador apegado ao poder que cerceou liberdades e atrasou o desenvolvimento de seu país. Um dos personagens mais marcantes da segunda metade do século 20, Fidel Alejandro Castro Ruz é também um dos mais polêmicos.



GARCÍA MARQUEZ: DISCURSOS

O escritor colombiano Gabriel García Márquez, ganhador do prêmio Nobel em 1982 e amigo do ditador cubano, ressalta o poder da retóricade Castro. "Começa sempre com voz quase inaudível, com um rumo incerto, mas aproveita qualquer lampejo para ir ganhando terreno, palmo a palmo, até que, como se fosse uma grande bofetada, apodera-se da platéia. É a inspiração, o estado de graça irresistível e deslumbrante, que só são negados por quem não teve a glória de vivê-los".

BIOGRAFIA

Sua biografia confunde-se com a história do país que governou por mais de 47 anos até que, em 31 de julho de 2006, debilitado por uma cirurgia no intestino, transmitiu o poder ao irmão, Raúl, outro dos líderes do levante armado que depôs o ditador Fulgêncio Batista em 1º de janeiro de 1959 e instaurou, progressivamente, um regime comunista a 150 quilômetros dos EUA no auge da Guerra Fria. No cenário internacional, além da importância geopolítica adquirida com a aproximação da URSS e o fato de liderar o único país antagônico aos EUA na América em um mundo dividido entre as superpotências, Fidel assumiu durante décadas o papel de maior patrono -ideológico e financeiro- da esquerda latino-americana. Auxiliou militarmente mais de uma dezena de países e facções esquerdistas dispostas à luta armada no continente e também na África.Em dois exemplos emblemáticos da política externa ousada do ditador, Cuba enviou dezenas de milhares de soldados voluntários, tanques e aviões para ajudar Angola a tornar-se independente de Portugal na década de 70, e financiou e treinou guerrilheiros na Bolívia, na década de 60, na tentativa de revolução que culminou na captura e assassinato de Ernesto "Che" Guevara.Em Cuba, conseguiu reduzir drasticamente os índices de miséria, erradicar o analfabetismo, implantar um sistema de saúde que exporta médicos e tornar a pequena ilha a segunda maior potência esportiva da América. Por outro lado, eternizou-se no poder, condenou dissidentes à morte, não permitiu a liberdade de imprensa e abafou as vozes que quiseram clamar por democracia ou um estilo de vida com menores privações.

OPINIÃO DA BIÓGRAFA

Claudia Furiati, brasileira biógrafa de Fidel, descreveu o ditador em entrevista à revista "Aventuras na História", em 2007."Eu sempre quis entender de onde vinha esse magnetismo de Fidel. Muitas vezes pensei que vinha do mito. É muito difícil relacionar-se com ele sem olhá-lo como alguém muito especial, fora do normal, pois suas qualidades como líder, estadista e ser humano são muito grandiosas. Seu magnetismo vem da fala, do jeito de olhar, de se expressar. Há um envolvimento do qual é difícil escapar. Precisei ficar atenta para não me deixar cativar demais"Fidel e suas característicasO ex-ditador sempre fez esforço para manter incógnita sua vida particular, evitando aparições em público ao lado da família. Terceiro filho de um espanhol enviado a Cuba ainda no século 19 para lutar contra a independência do país onde acabaria se estabelecendo mais tarde, Fidel Castro é pai de oito filhos e casou-se duas vezes. Na década de 50, teve três filhos: Fidelito, com Mirta Balart, então sua mulher, e dois outros, frutos de relações extraconjugais: Jorge Angel e Alina. Com Dalia Soto, sua mulher desde 1980, teve cinco filhos: Alexis, Alex, Alejandro, Antonio e Angel.Relatos variados dão conta de que Fidel costumava trabalhar, durante os 47 anos em que esteve à frente de Cuba, de segunda a domingo, até as madrugadas. Assim, pouco tempo possuía para usufruir de eventuais vantagens concedidas pelo cargo. Apesar disso, a revista norte-americana "Forbes" vem incluindo o líder em uma lista de reis, rainhas e ditadores mais ricos do mundo, que prepara anualmente. Em abril de 2006, Fidel Castro aparecia como o oitavo da relação, com um patrimônio pessoal avaliado em US$ 900 milhões.A publicação explica que o polêmico cálculo baseia-se no valor de companhias estatais cubanas (estimado por meio do fluxo de caixa) e a suposição de que o cubano embolsava parte dos dividendos dessas empresas. Fidel reagia com indignação às acusações. "Não sei o que pretendem com essa coisa tão ridícula. Não tenho nem um centavo meu, não administro um centavo. Terei a glória de morrer sem uma divisa convertível", afirma no livro "Fidel Castro - Biografia a duas vozes", escrito pelo espanhol Ignacio Ramonet e lançado no Brasil em 2006.Nessa mesma biografia, Fidel comenta dois traços indissociáveis de sua figura, a barba comprida e o uniforme militar. Suas explicações, demagógicas ou não, buscam reforçar a imagem de um estilo de vida simples. "É, antes de tudo, uma questão prática: com o uniforme não preciso colocar gravata todos os dias. E evita o problema de ficar escolhendo o que vestir, que camisa, que meias, para deixar tudo combinando", diz Fidel.


A BARBA
"A barba tem uma vantagem: você não precisa se barbear todo dia. Se você multiplicar pelos dias do ano os quinze minutos diários que leva para fazer a barba, vai verificar que dedica quase 5.500 minutos a essa tarefa. Como uma jornada de trabalho representa 480 minutos, isso significa que, ao deixar de fazer a barba, você ganha por um ano uns dez dias, que pode dedicar ao trabalho, à leitura, ao esporte, ao que quiser", argumenta.Leitor ávido, Fidel conta que, dos cerca de 17 mil presentes que avalia ter recebido ao longo de sua carreira de chefe-de-estado, manteve apenas os livros, com a promessa de doá-los ao patrimônio histórico cubano após sua morte. Fidel sempre se manteve bem informado, podendo versar sobre assuntos os mais diversos, desde a agricultura até a Internet, em geral com pontos de vista firmes em que transpareciam a crítica ao capitalismo e à sociedade de consumo.Nos longos discursos -alguns chegaram a durar mais de sete horas-, acompanhados em datas históricas anuais por mais de 1 milhão de pessoas, transpareciam algumas das características marcantes de sua personalidade: centralizador, Castro, que se colocava na linha de frente dos problemas cubanos procurando inteirar-se dos mínimos detalhes, sempre escreveu todos os seus discursos; contundente e eloqüente, defendia apaixonadamente suas idéias, usando retórica e anedotas sobre temas cotidianos para convencer a platéia e mantê-la a seu lado; pragmático, manifestava-se com freqüência contra fórmulas prontas, evitando a "cópia" de modelos externos."Provavelmente nenhum líder no Breve Século XX, uma era cheia de figuras carismáticas em sacadas e diante de microfones, idolatradas pelas massas, teve menos ouvintes céticos ou hostis que esse homem grande, barbudo, impontual, de uniforme de combate amassado, que falava horas seguidas, partilhando seus pensamentos um tanto assistemáticos com as multidões atentas e crédulas. Uma vez na vida, a revolução foi sentida como uma lua-de-mel coletiva. Aonde iria levar? Tinha de ser para algum lugar melhor". Assim o historiador britânico Eric Hobsbawn aborda Fidel Castro no livro "A era dos extremos", em que analisa o século 20.Ao menos na visão do ditador, a "lua-de-mel coletiva" levou Cuba a um "lugar melhor". Apesar das críticas que faz à corrupção, crescente na ilha após o colapso da URSS, e as lamúrias, principalmente quanto aos efeitos do embargo econômico americano, o ditador ressaltava com eloqüência, argumentos -por vezes exagerados- e riqueza de detalhes a ausência de miséria e analfabetismo, a educação formal e política do povo, os baixos índices de criminalidade e o sistema de saúde, entre outros supostos méritos. "Posso dizer agora, 46 anos depois do triunfo, que o que alcançamos está muito além dos sonhos que podíamos conceber na época, e éramos bastante sonhadores no início", declarou em "Biografia em duas vozes".Apesar da persistência no poder, Castro diz não se julgar um ditador. "O que é um ditador? É alguém que toma decisões arbitrárias, unipessoais, por cima das leis, que não obedece a nada além de seus póprios caprichos ou sua vontade. Eu não tomo decisões unipessoais. Nós temos um Conselho de Estado. Minhas funções de dirigente fazem parte de um coletivo. As decisões importantes são analisadas, discutidas e sempre tomadas coletivamente. Não posso nomear ministros nem embaixadores. Não posso nomear nem o mais humilde funcionário público. Eu tenho autoridade, claro, tenho influência, por razões históricas, mas não dou ordens nem governo por decreto", afirmava

Um comentário:

  1. Oi!
    Na minha opinião FIDEL sempre foi um homem justo, sou admiradora de seus ideais e nada neste mundo muda o meu pensamento....Socialismo!
    Aproveito para divulgar meu BLOG,
    http://memoriasemvermelho.blogspot.com/
    Saudações SOCIALISTAS!
    Daniela de Farias
    Bióloga/Taxidermista/Artista Plástica.

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